Cultura, entretenimento e Lazer


Resenha da Peça  teatral "incelença"

Por Émerson Andrade

Tendo como contexto a cultura popular nordestina; a peça “incelença” retrata o modo de pensar dos pertencentes dessa cultura sobre o homossexualismo e uma possível diversidade de gosto do masculino sobre o feminino, ou vice-versa sem muito apelo sexual, mas através de uma visão preconceituosa e conservadora tendo como foco o amor de um menino as suas bonecas.

Para demonstrar essa visão, Fernando Lira autor da obra, expõe de forma bem humorada a infância desse menino aparentemente normal, até o momento em que sua tia percebe seu gosto pelas bonecas, e rasga uma delas; uma brincadeira aparentemente feminina, e que dentro de uma sociedade extremamente preconceituosa era algo inaceitável. 

Partindo desse ponto a peça começa e passeia pela história do personagem “Seu Olímpio” interpretado pelo ator Francisco Oliveira (Chico Oliveira) e vai ganhado ao longo do desenrolar dos fatos uma dimensão bem humorada fazendo a história se tornar algo chamativo e envolvente para a plateia.            

Durante a peça a temática que fica explícita é bastante chamativa - o homossexualismo e os olhares sobre ele na cultura do Nordeste. Fernando Lira soube inteligentemente e sem deixar explícito de maneira clara e facilmente perceptível tratar essa temática desde a infância da personagem, onde um fato marcante é o ato em que a tia do menino rasga uma de suas bonecas provocando nele uma reação de revolta, o que o leva a se reconhecer como uma criança diferente.

Embora o autor traga essa temática implícita na peça, talvez como forma de despertar a consciência crítica de quem assiste; o tema central é justamente outro - um homem e sua companhia de bonecas. Se visto do ângulo do personagem, a companhia foi a saída encontrada para ele poder estar próximo daquilo que tanto gostava e que lhe foi retirado na infância. 

É interessante observar que o “Seu Olímpio” através de sua companhia circense passa a ser o mediador de um espetáculo no picadeiro de um circo, onde as atrações são justamete as bonecas. Ao longo do espetáculo cada uma vai tendo sua trajetória apresentada junto com suas características e de forma bem humorada vão por mediação se apresentado com seus respectivos números com bastante interatividade com a plateia. 

Uma das bonecas chamada Maria do Socorro (corrinha) aparece na vida do personagem interpretado por “Chico oliveira” que durante todo o tempo é senhor absoluto das ações; justamente num momento de despedida deste e de um grande amor que segundo o mesmo “havia partido, partindo também o seu coração” por isso seu amor por tal boneca ser tão grande; fato que fica evidenciado durante a peça, devido o fato de ser a boneca que mais aparece e é comentada, justamente por intermédio seu. 


Fernando Lira desperta através de “incelença” um debate descontraído sobre até quando uma prática infantil (as brincadeiras) é realmente reflexo daquilo que ele sente enquanto ser, e se através de tais práticas se pode julgar a opção sexual de alguém. Não seria isso definido ao longo da vida do ser humano? Será que a revolta provocada na infância não surtiria efeitos na opção da criança futuramente, bem como também o ambiente em que ele vivi? Tudo isso é discutido de forma leve e atraente na obra de Lira sem causar mal estar em quem é mais conservador nas questões desse tipo.


A peça é um ótimo meio de aprender sobre as diferenças e como lhe dar com elas e até conviver coma as mesmas, e o melhor é que como já dito, tudo acontece de forma leve e bem humorada, o que serve como um chamativo para que toda a família assista, sem restrição de idades. Além de ser um ótimo meio de despertar uma opinião e até um olhar em quem nunca pensou de forma mais crítica sobre o assunto.

Não se pode claro, deixar de mencionar o porquê do nome da peça ser “Incelença”, tal nomenclatura deve-se ao fato de já no fim da mesma, acontecer o ato de uma das bonecas ser rasgada. O personagem então vai fazer o sepultamento da boneca, e encerra em tom de tristeza a apresentação geral da obra cantando músicas fúnebres que no cancionário popular do interior do Nordeste são chamadas de “Incelençias”. 


Mesclando tudo se percebe que como a trama se desenvolve em torno do relacionamento do personagem com as bonecas, após a morte de uma delas, a primeira aliás, remetendo historicamente a infância, não faz sentido continuar contando a história de “Um homem e sua companhia de bonecas” de forma que tudo se encerra ao som de uma “Incelença”.